domingo

ganhar raízes


O estado recebe todos os anos a tutela de educar os filhos de Portugal. Nesta oportunidade única de criar uma cultura civilizacional, de formar sociedade o que faz?
Passa uma ensaboadela pelos tópicos sonantes, entre aspas “obrigatórios”, mas sem rumo. O cisma tacanho (de todas as nações) de começar por uma história do país… Como se fosse natural partir do particular para o geral
(1). E quando, para cúmulo, nem sequer há tempo para leccionar a revolução de Abril porque calha no fim da matéria! Pois deviam começar precisamente pelo fim… deviam começar por explicar a sociedade contemporânea: o ABC do capitalismo, da globalização, da ecologia, do sistema político, do direito, da economia. Tudo explicado com exemplos e com ajuda de documentários.
Quero lá saber dos problemas familiares de Afonso Henriques, de fingir que consigo ler e interpretar os Lusíadas! Como se isso me fizesse mais português… isso pode vir mais tarde… Não nos podemos esquecer que estamos a educar o cidadão comum e não intelectuais: esses terão mais oportunidades de aprender, no secundário, na universidade ou como interessados autodidactas. Mas uma grande parte tem a última oportunidade no ensino obrigatório. Segue-se um curso profissionalizante ou o trabalho.
E isto são matérias importantes mesmo para quem tem um curso superior.
Quando foi a última vez que nos servimos do conceito de ‘complemento directo’, se é que ainda nos lembramos do que é.
E quais são as leis do mercado -isso é útil todos os dias…

As crianças começam desde cada vez mais cedo a fazer escolhas, são ‘cotas’ de mercado e sofrem com a investida do marketing. Vêem o mundo na televisão mas não o percebem (mesmo nós demoramos a perceber). Portanto não é uma questão de perder a inocência, pois ela já está perdida, mas de ganhar as ferramentas para lidar com esse facto. De crescerem e se tornarem cidadãos capazes, informados e activos na defesa de uma ideia de sociedade.
No fundo, à semelhança do mundo empresarial, o estado tem vantagens em criar uma ‘cultura empresarial’, em manter todos os ‘trabalhadores’ cientes do espírito e dos objectivos da ‘empresa’. E o estado tem essa oportunidade quando os pais lhes entregam os filhos à porta das escolas. No entanto, pais e estado, são negligentes e os media (com a sua agenda inconfessável) acabam por assumir o seu papel.
Não admira que as pessoas em Portugal tenham uma visão individualista, que não sintam deveres na sociedade e que apenas se manifestem quando esta mexe nos ‘seus direitos’. Não admira que não saibam para que serve uma procuradoria, o que é o défice ou o que significa desenvolvimento sustentável. Não admira que abandonem lixo por todo o lado e que tenham pouco respeito pelo que é património público.

(1) O Renascimento, por exemplo, veio de Itália, já a Reforma veio de terras germânicas, os Descobrimentos vieram da península Ibérica e a Revolução Industrial partiu da Inglaterra. A perspectiva forçada por um ponto de vista nacionalista acaba mais tarde por ser corrigida pela curiosidade ou então permanece um mito ignóbil. Quando descoberto, não deixa nada de grandioso para a imagem da ‘nação’ –é contraproducente.

Oprah's eye-brows


Estava eu noutro dia tranquilamente a lanchar especado defronte do meu televisor quando sou agitado pelo programa «The Fabulous Life of…» do canal Vh1.
Segundo esse programa, a Oprah do talk show americano, usa o seu jacto privado para atravessar os EUA e ir arranjar as sobrancelhas à sua especialista de sobrancelhas preferida. O locutor acrescenta com excitação que ela o faz de duas em duas semanas e que de cada vez gasta 50 000 dólares por sobrancelha (com uma refeição incluída no jacto).

É nesta altura que a emissão seria interrompida por Diácono Remédios a bater com o indicador na secretária e a exclamar «Ó meuz amigozzz…!».
É claro que para além desta vaca há uma percentagem negligenciável de criaturas que é responsável pela utilização de uma percentagem nada negligenciável de recursos. Isto é só um exemplo entre muitos… Como dizia um amigo meu «isso dava-me um jeitão para pagar a prestação da casa» ou neste caso, para pagar a casa a pronto!

Para lá da questão de como estas pessoas conseguem viver bem consigo mesmas e de como conseguem passar a ideia de ser beneméritas defensoras dos “desfavorecidos”, surge o problema de que estes luxos implicam necessariamente a mobilização de recursos (materiais e humanos) em causas tão fúteis que às vezes, pelas somas envolvidas, nem interessa saber quais.
Quando ouvimos falar que certas estancias turísticas têm um rácio de 4 (ou mais) empregados para 1 turista, isso implica necessariamente que há quatro almas que dedicam a sua vida para o bem estar de um mitra -não há reciprocidade possível.
O mesmo para os recursos materiais – a concentração num lado implica a rarefacção noutro.
Porquê ter três, quatro ou mais casas? Porquê ter um caseiro e criados em cada uma delas? Porquê a colecção de carros de luxo na garagem? Se somos ricos podemos perfeitamente arrendar um chalé ou uma suite em empreendimentos de 5 estrelas sempre que quisermos. Até podemos ser nós os donos desses empreendimentos… mas não é aceitável que usemos o dinheiro ao sabor de caprichos estúpidos, tendo património inerte espalhado por todo o lado.
Seria desejável regular essas assimetrias, mas como? Temos de ser comunistas e desejar uma sociedade padronizada?


Seria, por exemplo, aceitável que independentemente da enormidade de rendimento que alguém conseguisse obter, houvesse um tecto razoável de despesas pessoais. Por exemplo, qualquer um vive bem com 50 000€ mensais: o dinheiro auferido para além deste montante confortável (para mim) teria de ser aplicado em investimentos financeiros ou doado a fundações de cariz filantrópico. Um rico passaria a ser alguém, que, para além do mais, teria o poder de decidir o destino do dinheiro: seria um gestor decidindo quais os projectos que têm validade e os que não.
Na realidade é isso que os ricos também fazem. Muitos ganham muito dinheiro porque também o sabem aplicar bem – outros ganham dinheiro sem saber porquê – e são normalmente esses que se esforçam mais por derretê-lo estupidamente. Mas para algumas fortunas seria necessária muita imbecilidade e imaginação para conseguir “usufruir” tudo até ao último centavo. E nem por isso os candidatos a imbecis deixam de se esforçar.

Outra postura, mais radical, seria a de que ninguém, por muito trabalhador que seja, “merece” realmente um salário acima de determinado montante. Há uma desproporção entre o que ganha um assalariado mínimo e o máximo que não é de todo justificável. Um milionário ganha num dia o que muitos não conseguem juntar numa vida. Estando o rendimento balizado entre um mínimo e um máximo há uma base de dignidade e de justiça para lá da qual se encontra a afronta e a obscenidade de distinção entre concidadãos.
Se por exemplo o rendimento máximo for 100 vezes o valor do mínimo, pode-se dizer que existe um espectro de salários mais que satisfatório para retratar todas as camadas da sociedade.
Esta solução teria o mérito de reposicionar a ênfase do trabalho e da vida em factores externos à prosperidade financeira.

Mas qualquer uma destas abordagens é de aplicação complexa e não contempla a questão principal.
A questão aqui é a tolerância da sociedade para este tipo de situações. É o nosso conformismo, a nossa subserviência bacoca perante a exibição deste tipo de obscenidades. Pensamos: «são predestinados, merecem as coroas e os banhos de ouro».
A verdade é que somos nós que lhes damos esse poder, eles dependem de nós, do nosso dinheiro, da nossa aprovação, a sua opulência é aquela que aceitaríamos para nós caso nos fosse proporcionada.
E depois de comprarmos tudo de vermos tudo (programas, filmes, livros, produtos…) vamos comprar as revistas e ver os programas de bajulação (VIP, Caras, The Fantastic Life...) e a nossa reacção é um misto de espanto e fascínio: «Então é isto que eles fazem com o nosso dinheiro…Fantástico!».
Mas não é nada disto que se quer! É preciso deixar esta embriaguês! É preciso que essas revistas de bajulação sejam apresentadas como se apresenta o “Nós por cá”: como um desfile de vergonhas… que a popularidade dessas figuras caia como cai a do Bush… que fiquem de faces rosadas, de vergonha… que deixemos de ver os seus programas e de consumir os seus produtos na medida dos seus comportamentos… que não batamos palmas e peçamos autógrafos: assobiemos, brademos na sua presença… que tombem do seu estatuto de modelos de vida… que se vire o feitiço: antes idolatrados, agora enxovalhados… até que não haja ninguém que ouse gozar desse estatuto sem o merecer, sem ser impoluto, como se espera desde logo dos políticos… que se espere também dos que enriquecem à nossa custa.

Portugal dos Pequeninos

É costume queixarmo-nos da dimensão pequena do nosso país como justificação para os males que nos assomam (corrupção, entropia, falta de competitividade…). Simultaneamente babamo-nos para os países ágeis e civilizados como a Bélgica (8,8 milhões de habitantes), a Dinamarca (5,2 M hab.), a Irlanda (3,6 M hab.) a Áustria (8 M hab.), a Finlândia (5,5 M hab.), a Suécia (8,8 M hab.)…

Parece que só nos resta queixar das más praticas.

anónimo diz:


Houve aí uma discussão provocada pelo blog de Pacheco Pereira, o Abrupto, sobre o anonimato na qual eu já tinha uma posição.
Para mostrar que isto também é um blog e de vez em quanto é sensível à vibrante agenda bloguítica, deixo aqui uma síntese dos meus argumentos:

  1. Distingo “debate público de opiniões” de todas as outras formas –mais ou menos artísticas – de expressão. No segundo caso o nome pode ser parte do conteúdo a exprimir, para o primeiro o nome é um dado objectivo.

  2. Como ‘dado objectivo’, quero dizer que se pretende grande transparência entre as ideias e o idiota. Isto significa que as opiniões de cada um serão sempre emitidas sob o mesmo nome e que este nome é o mesmo em qualquer meio (incluindo o meio de expressão actualmente mais democrático, a Internet).

  3. Na Internet, alguém pode simplesmente simular um nome e o resultado é o anonimato. O ideal é ter uma página pessoal, como um blog, e juntar sempre esse link ao nome do comentário.

  4. A razão para a distinção feita no ponto 1 está em eu acreditar no papel do debate público numa democracia. Este debate público, o ‘fórum’, nasceu com ela e é um sinal da sua vitalidade. Os cidadãos precisam desse esclarecimento para melhor viver em sociedade e finalmente para votar esclarecidamente.

  5. A razão para o ponto 2 está em que, como legítimos participantes numa democracia, somos responsáveis pelo que dizemos – para o bem, mas também para o mal (no caso de violarmos a lei).
    Depois, há uma agressividade implícita mesmo no utilizador de nick name mais bondoso. Porque ele sabe e toda a gente percebe que ele se apresenta escondido -não é assim que ele se apresenta na realidade real.
    Porque é que ele faz isso? depende.
    O que é certo é que ele gosta de preservar esse desequilíbrio pois não se apresenta na realidade real como o do nick tal.
    Finalmente, trata-se de combater um problema da nossa sociedade que conduz à alienação e ao isolamento. A Internet veio proporcionar o anonimato total e nós usamo-lo indiscriminadamente. Há que saber usa-lo nos momentos apropriados.

  6. A tese de que o que conta são as ideias debatidas, sendo a autoria negligenciável, levada a cabo faria com que toda a gente fosse anónima perante toda a gente durante todo o tempo. Não me parece razoável. O facto de reconhecermos ao logo do tempo autores cuja opinião nos é relevante poupa-nos imenso tempo.

  7. Se se defende a autoria em vez do anonimato aplica-se o ponto 2.

  8. A questão sobre a adequação do nome de nascença: «um nome escolhido pelo próprio adulto será muito mais representativo» é uma questão interessante, com a qual concordo mas que passa ao lado do meu argumento. Eu não defendo que se use o nome atribuído pelos pais mas somente o que consta no ponto 2.
    Por exemplo os artistas costumam mudar o nome de nascença, mas o que importa é que esse nome seja claramente relacionado ao sujeito em questão (Woody Allen, Le Corbusier…).

  9. Finalmente, não entendo que isto seja uma Lei, nem dou demasiada importância a este assunto. Cada um é livre de discutir como quiser –como sempre foi. Que use a demagogia, a falácia, o insulto, que se identifique como quiser –as atitudes ficam sempre com os próprios.

Chantagem!


Já se explicou em muito lado (também aqui), pela racionalidade, que não são legítimos os protestos de uma comunidade islâmica pela ‘parcimónia’ no uso da liberdade de expressão. Também se viu a onda de moderação alimentada pela realpolitik e veiculada sobretudo pelos canais oficiais. Nela se sentiu o embaraço de quem quis atingir um objectivo -a paz - mas não encontrou argumentos razoáveis para se explicar –para além do desejo de paz.
Resta a conclusão, necessária, de que nunca houve intenção de apresentar argumentos sérios por parte dos defensores das matérias sagradas. O que houve foi uma declaração de guerra ideológica numa tentativa de prolongamento a ocidente do entendimento de estado asfixiante que é paradigma do mundo islâmico.
O impacto disto só pode ser entendido conhecendo as obrigações económicas que vinculam as duas culturas: o negócio do petróleo – que não pode parar para interesse de ambos.
O fanatismo e impulso para a guerra santa permitiram aos radicais islâmicos tomar posições inconcebíveis aos olhos ocidentais… afinal eles teriam tanto ou mais a perder com a ruptura de relações, pois não são produtivos mas completamente dependentes da renda do petróleo. E nós teríamos um forte impacto inicial e uma mudança forçada de estilo de vida.
Mas se há ‘valor’ permanente, que atravessa qualquer fronteira, no actual mundo capitalista é que o dinheiro não para de circular.
Como diria Vivaldi, Nulla
in Mundi Pax Sincera.

terça-feira

tempestade num copo de água


Já muito se falou sobre a questão das caricaturas Dinamarquesas. Há quem sugira ser um simples exercício de liberdade de expressão, há quem a compare à exibição pública de pornografia, outros como eu estão simplesmente perplexos com o evoluir dos acontecimentos.


Antes de expor a minha opinião vou enumerar algumas generalidades:
É público o desacordo de uma e de outra sociedade sobre os padrões de civilização. A ocidental está mais envolvida no seu amor à sua laicidade, democracia e liberalismo do que a qualquer valor espiritual enquanto que a muçulmana gere os valores espirituais junto dos mais altos designeos do estado, cultura e justiça.
O que trouxe de novo os referidos ‘cartoons’ a este desacordo tácito? Algum argumento de peso? Alguma tese revolucionária? Não, é obvio que se trata de algo bem ligeiro. Pode-se concluir que no limite se trata de uma discussão do tipo:
-Estúpido!
-Não, estúpido és tu!!
Daí a minha perplexidade com a escalada que isto provocou. Este alarido só se compreende num contexto de anúncio de guerra.

Mas a publicação dos desenhos não foi um acto oficial de algum país. Os desenhos foram publicados por jornais independentes de distribuição nacional. É uma extrapolação imensa querer analisar esse acto fora do contexto próprio. Os protestos surgem na alegação de que esses desenhos violam o que está nos textos sagrados muçulmanos. Mas podemos imaginar o direito recíproco de um dinamarquês, à luz dos textos dos direitos do Homem, de se revoltar com os maus tratos infligidos ‘legalmente’ às mulheres muçulmanas.

A revolta incide sobre a particularidade de se ter representado o profeta (acto proibido pelo alcorão) mais do que qualquer outra inferência politica. Se em vez da imagem se tivesse publicado, no mesmo jornal, um artigo de opinião em que a certa altura o autor dissesse «o profeta Mahomet instiga o terrorismo» (em dinamarquês) ninguém daria por nada. O absurdo é alguém querer que o resto do mundo funcione pelas suas regras.
Imaginando que na minha religião eu tinha a forte convicção de que me era permitido amar e servir um só Deus. Estariam por isso todos os muçulmanos, por respeito à minha crença, proibidos de ter a sua vida normal e amarem o Deus deles? A vida normal de um dinamarquês passa pela sua liberdade de expressão. Faz sentido que alguém de um país longínquo venha ditar-lhe novos costumes?

O que faz sentido é se algum dinamarquês muçulmano (ou não) se sentir ofendido instruir um processo por abuso da liberdade de expressão ao outro dinamarquês. O que faz sentido é qualquer dinamarquês muçulmano (ou não) compreender que vive num país onde é possível ridicularizar qualquer religião, incluindo a sua. Se não gosta só tem duas hipóteses: ou muda de país ou espera mais um pouco que os muçulmanos invadam a Dinamarca.

segunda-feira

O Papalagui


«Quando entramos numa cabana-cozinha europeia, vemos uma porção de pratos de comida e de utensílios de cozinha que nunca são usados. Para cada alimento há uma tanoa diferente, uma para a água, outra para o kava europeu, mais outra para a noz de coco e outra ainda para o pombo.
Numa cabana europeia há sempre tantas coisas que, mesmo que todos os homens de uma aldeia de Samoa carregassem mãos e braços com elas, nem assim conseguiriam levar tudo. Há, numa única cabana tão grande número de coisas, que a maior parte dos chefes de tribo Brancos necessita de imensos homens e mulheres que outra coisa não fazem que pôr estas tais coisas no seu lugar e limpar a poeira que as cobre. (…) Crede que há na Europa homens que encostam a arma de fogo à sua própria fronte, pois preferem deixar de viver do que viver sem coisas. Porque o Papalagui [o Branco] embriaga o seu próprio espírito de toda a maneira e feitio e, assim, convence-se a si próprio que não pode viver sem coisas, do mesmo modo que um homem não pode viver sem comer.
É por isso que eu nunca encontrei na Europa uma cabana onde pudesse instalar-me, onde nada me impedisse de estender os membros em cima duma esteira. Todas as coisas lançavam chispas e tinham cores tão berrantes que eu não conseguia pregar olho. Nunca encontrei verdadeira tranquilidade e nunca senti, como então, tantas saudades da minha cabana de Samoa, onde só o que há é uma esteira e um rolo de dormir, onde só o que chega até mim é a suave brisa do mar.»

O Papalagui , discursos de tuiavii chefe de tribo de tiavéa nos mares do sul (1996) Lisboa: Edições Antigona.

sexta-feira

o que é isso de 'arquitectura'


A cultura do “desenrasca” está muito enraizada no espírito Português – o que é óptimo no caso de naufragarmos numa ilha deserta mas não para quem pretende construir uma sociedade civilizada.
Tome como exemplo a sua área profissional – se você é um profissional com brio com certeza que identifica uma série de casos em que o uso adequado da sua profissão traria vantagens evidentes para os interessados particulares. Generalizando esse comportamento traria eficiência para toda a sociedade.
Agora imagine que toda a gente se acha entendida na sua área.

O leitor no fundo da sua sabedoria já por uma vez imaginou como faria a sua casa. Não é uma tarefa que o assuste mesmo não tendo experiência na área nem estudado arquitectura.
No entanto você engana-se a si próprio. Está a fechar os olhos para algo que pode alterar o seu dia a dia, a sua qualidade de vida.
Há duas razões simples para isto:

1. O leitor conhece o básico de uma casa – com certeza que vive numa e já entrou em muitas outras. Mas para a sua concepção é necessário sintetizar a informação de forma a hierarquiza-la e fazer escolhas. O arquitecto está treinado a ler as possibilidades existentes e eliminar as soluções precárias montando uma estratégia com poucas fragilidades. Para além disso o arquitecto existe no seio do processo construtivo e vai acumulando uma biblioteca de recursos que para o cidadão comum estão distantes.

2. A outra razão é que Arquitectura é cultura: da mesma forma que um país (há-os) gosta de se apresentar com bom cinema, boa gastronomia, boa musica, boas artes plásticas, boa moda, bom design…também deve ter gosto na sua arquitectura. Todos estes aspectos são o cartão de visita de um país, a forma como se apresenta. Assim como a maneira de vestir de um indivíduo faz parte da sua identidade.
Sendo assim, não será do interesse público “vestir” bem Portugal? Acresce o facto de a Arquitectura ser de todas a área mais perene, mais visível mais indisfarçável e reveladora da evolução da sociedade e do seu cuidado com o próprio território.

Curiosa esta nossa escolha em habitar objectos aculturados – juntando função e arte. Mesmo o mais obstinado agressor da função do arquitecto cai nesta armadilha: vai usar o seu critério estético – porque não existe algo como a “linguagem neutra” –há no entanto a falta de recursos estilísticos e vocabulário limitado.
Da mesma forma não existe a “funcionalidade pura” -pode existir a pura estupidez mas nada mais.

Portugal profundo


Estou farto dos meã culpas por parte dos arquitectos quando na realidade não lhes foi dada a oportunidade nos últimos 30 anos. É evidente que há maus profissionais em arquitectura, como em qualquer outra área profissional ou não, (até há maus desempregados, maus pais…etc.) não preciso de o mencionar cada vez que falo sobre arquitectura.

Quem tem ditado a forma de construir em Portugal nos últimos 30 anos são os promotores, empreiteiros enriquecidos. Numa época em que o que fosse construído era vendido fez-se de tudo inclusive deseconomias desinteligências desonestidades. Enganou-se os clientes construindo mal, enganaram-se a eles próprios quando pensaram que fazendo sempre igual seria sempre mais barato –no fundo deixou-se as escolhas arquitectónicas em critérios ignorantes, mal informados.

Umas décadas mais tarde e os próprios clientes estão confusos… o empreiteiro é o melhor amigo do cliente e não o arquitecto!?! Arquitecto, qual Demónio de encarecer obras… mas… não é o empreiteiro o interessado em controlar todo o processo a seu bel critério??? Fazendo sempre o que lhe obriga o mínimo de raciocínio...

Imagine-se a mesma subversão na área da saúde: o doente em vez de se dirigir ao médico, ia directamente á indústria farmacêutica. E esta dizia-lhe: «Temos dois excelentes medicamentos: a aspirina e a morfina, não temos mais porque isso iria encarecer a produção e distribuição e seríamos obrigados a fazer investigação, portanto assim fica-lhe mais económico». É evidente que, se ignorarmos as vantagens da medicina moderna, a aspirina e a morfina parecem excelentes panaceias.

Da mesma forma os portugueses infelizmente ignoram o que é qualidade de habitar: vivem em prédios desinteressantes e mal servidos de insolação, de vistas, de espaço…vivem em bairros descaracterizados e pouco acolhedores. Olhando para as cidades portuguesas, para os prédios, alguns não muito velhos mas já lembrando grandes construções provisórias à espera de reformulação, de uma Expo que requalifique toda a zona e traga dias solarengos e um sorriso de feira popular e algodão doce .*/

Esta desvalorização do património não foi acautelada pelos clientes –«o empreiteiro já com a massa no bolso e constroem mais um prédio á minha frente». Mais tarde ou mais cedo o mercado está saturado e desta vez é para investir na qualidade – vende-se o andar numa zona entretanto desqualificada para comprar num condomínio fechado. O que fazer a tantas casas entretanto desvalorizadas? Construído barato para durar 70 anos mas não hão de ter 35 e já inaceitáveis para muita gente…

Mas serão os empreiteiros sozinhos os responsáveis pelo estado actual da “arquitectura” em Portugal? Como dizia, os empreiteiros são a parte ignorante que alimentou o processo com o único objectivo do lucro. Havia outras partes que tinham obrigação de pensar em mais que o lucro: a começar pelo estado que não se preocupou em introduzir procedimentos que defendessem o território nacional como um bem público; passando pelas autarquias que foram cúmplices em arruinar os territórios que administram; e pelos profissionais que, sem verdadeiramente apreciarem a actividade de arquitecto, a desempenharam alienados dos seus deveres e acríticos em relação á sociedade que construíam.

Para além do mais “diz-se” que andaram a receber dinheiro como forma de financiamento das suas autarquias dos seus partidos ou das suas contas bancárias. E que empreiteiros ricos conseguem definir junto do poder político a agenda das obras públicas, ou seja, das obras que todos pagamos!!

Os mesmos empreiteiros a quem são constantemente perdoadas “derrapagens” orçamentais, que passaram mesmo a ser uma trivialidade da prática construtiva, consideram a intervenção do arquitecto um luxo, um extra. Mais estranho ainda é que a sociedade interiorize esse logro e prescinda quase sempre da contribuição do arquitecto –seja na elevação qualitativa do investimento, seja na mediação e defesa do cliente perante os agentes do mercado de construção.
A alegação de que o arquitecto é o responsável pelo encarecimento das obras continua a animar receios imbecis na sociedade:
–a actuação livre dos empreiteiros durante décadas conduziu ao embrutecimento do mercado e dos trabalhadores de construção de modo que há hoje um léxico muito limitado do que é construível em Portugal. Constrói-se grosso modo como há 30 anos atrás. O ónus desse atraso, obviamente, será pago por todos nós na forma como novos materiais e novas técnicas entram em Portugal sem qualquer concorrência interna e a preços de luxo.
A pouca necessidade de flexibilidade e inteligência e a falta de controlo de qualidade incutida aos trabalhadores pelos empreiteiros tornou-os profissionais monótonos e sem brio.
É evidente que mudar vícios custa tempo e frequentemente o simples facto se exigir fazer bem implica um esforço permanente na obra.
Ainda assim o arquitecto, se quiser, consegue adaptar-se e usar o que dispõe para construir melhor pelo mesmo preço –usando duas ferramentas inovadoras em Portugal: o planeamento e a inteligência.

"Não Lugares" de Marc Augé

· “desvio do olhar”, uma definição de sobremodernidade -na obra "Non Lieux" de Marc Augé.

«Existem espaços nos quais o indivíduo se sente espectador sem, verdadeiramente, se importar com a natureza do espectáculo». Chama-se desvio do olhar quando se desqualifica um lugar e se esvazia de todo o conteúdo, quando se destaca uma posição, uma “postura” e o lugar fica em segundo plano. É uma forma sobremoderna de solidão. Num «mundo onde se nasce na clínica e morre no hospital, onde se multiplicam, em modalidades luxuosas ou inumanas, os locais de trânsito e as ocupações provisórias..

O termo “espaço” está muito vulgarizado na linguagem actual- está ligado ao léxico do consumo referindo-se à «conquista espacial, em termos mais funcionais que líricos» (e.g. «espaços de lazer», «espaços de jogos»). Deste modo desqualificou-se na medida em que a experiência de facto é uma sombra do que é prometido, «os consumidores de espaço contemporâneo são acima de tudo solicitados a contentar-se com palavras». No fundo tudo o que seja promovido pelos círculos de consumo corre o risco de criar expectativas no “consumidor” que não estão tão patentes no “produto”. A palavra em si é o bem de consumo.

«A imaginação de todos aqueles que nunca foram a Taiti ou Marraqueche dá livre curso às suas fantasias ao simples som ou leitura desses nomes». Há no imaginário comum um mapa-mundo de lugares que passam de boca em boca sem que ninguém conheça de facto alguma coisa.

  • nome como rótulo -hiato semântico. Se um lugar ganha um nome por um facto histórico (“lieu dit”) e, a partir daí, a sua evidência física e real é facilmente invocada por um simples nome, a apropriação do seu conteúdo é ilusória- ainda mais quando a síntese de um local ( real e complexo) numa parábola já é por si redutora.

Mas nós precisamos desses nomes para nos simplificar o dia a dia. O problema é que a sobremodernidade provoca uma utilização abusiva desses nomes e o facto de um lugar ter nome passa a ser um factor de negação do lugar. «Esses nomes dão lugar a que nos lugares se introduza o não-lugar; transformam-nos em passagens». Os rótulos nas auto-estradas -Coimbra “Cidade Museu”-pode ser verdade mas -Cidade Universitária” ou “Cidade Bucólica” também. Há uma falsa sensação de aproximação ao local. Presume-se que «o viajante de passagem não está em medida de poder ver o ponto de interesse assinalado, e cujo o prazer, nessas condições, depende do simples conhecimento da sua proximidade», «fica, de certo modo, dispensado de parar e até de olhar.»

Da qualidade da conexão “lugar---espaço” é que se afere das suas características como lugar antropológico, ou seja a qualidade de lugar antropológico está nas possíveis interpretações que o sujeito lhe pode dar sem contudo serem concretizadas. «Na noção de lugar antropológico nós incluímos a possibilidade dos percursos que aí se efectuam, dos discursos que aí são tidos, e na linguagem que o caracteriza.». Um lugar antropológico por excelência é aquele que permite uma cognição mais directa pelo observador.

  • percepção primordial do lugar- «toda a narrativa regressa à infância.» A narrativa é bem lida quando é apropriada pelo leitor através do reconhecimento de “signos familiares”.

Um lugar onde essa conexão se deteriora torna-se opaco ao ponto de reflectir não mais do que a própria imagem e posição do observador. ·-forma sobremoderna de solidão.

Por ser uma característica da relação entre lugar e espaço e não inerente a nenhum dos dois, num lugar antropológico pode-se introduzir o não lugar e vice-versa. -Num supermercado -típico não-lugar [1] -a ânsia de cobrir uma necessidade para a qual tem que se cumprir certos preceitos: arranjar um lugar para estacionar, trazer a moeda para o carrinho, deixar a mochila á entrada, seguir uma certa ordem nos artigos para não se perder tempo ás voltas e, a prova final de inocência, apresentar na caixa um cartão de débito com a sua identificação gravada para se poder seguir no sentido inverso com as compras para o carro e para casa.

Por absurdo -alguém entra num supermercado seduzido pelas luzes e pelas imagens POP dos artigos repetitivamente expostos pelos corredores e observa os comportamentos mecanizados dos clientes empurrando os carrinhos de compras, então estará a interagir com o lugar e com as suas memórias. ·-percepção primordial do lugar.

O lugar antropológico deixa mais espaço para acontecer vida.

Por existir um padrão nos comportamentos do não-lugar -o utente sabe que a sua missão será bem sucedida quando ele chega ao fim sem ser identificado. Tudo estará bem enquanto for seguindo as “recomendações, «não tirar fotografias», «cartão mal introduzido», «velocidade máxima 50Km/h», «fila única», «conserve o bilhete». -mensagens vindas de uma entidade, mais ou menos, abstracta, dirigidas indiferentemente a todo o indivíduo- «obrigado pela sua preferência», «Boa Páscoa», «estamos a trabalhar por si»- quem? por mim? é comigo que estão a falar?- Transformei-me no “homem médio” que esta conversa de surdos fabrica e enquanto me mantiver atrás deste disfarce de “homem médio” pelo menos não serei identificado.

Como se se tratasse de um buraco negro, o não-lugar, suga um pouco da vida do utente, que é conduzido através de uma «paisagem texto que se lhe dirige», para a realização de uma tarefa que lhe é urgente. Na realidade os não-lugares tipo, são espaços onde se contratualizam obrigações. O cliente tem uma necessidade e a entidade oferece a facilidade de a cumprir sob a condição da prescrição de um contracto. Isso é por demais evidente em necessidades como de deslocação, de bens de consumo e recreação, mas mesmo na cultura e no turismo aparecem entidades a oferecer serviços com “tudo incluído. -como se a experiência retirada do “encontro” com um lugar pudesse ser incluída num pacote. «Paris num tour» -os operadores turísticos debitam informação numa lenga lenga decorada e repetida vezes sem conta para os magotes de turistas absortos e ordeiramente sentados nas cadeiras de autocarro. «Essa pluralidade de lugares, o excesso que impõe ao olhar e à descrição (como ver tudo? Como dizer tudo?)», «vistas parciais, “instantâneos”, adicionados, sem qualquer ordem, na memória e literalmente recompostos na narrativa que os descreve ou no encadeamento dos diapositivos cujo comentário impõe aos que o rodeiam. A viagem (aquela que o etnólogo desconfia ao ponto de a “odiar) constrói uma relação fictícia entre o olhar e a paisagem.»

[1] -sempre que se fala em não-lugar está-se a referir à qualidade antropológica do lugar e por isso é: não-lugar-antropológico.

domingo

Paris - mobilidade


As avenidas novas, os boulevards de Haussman agitados pelo movimento de carruagens e pessoas marcando o ritmo cardíaco da cidade – a vertigem moderna de Baudelaire criada pelo “fluxo e refluxo do movimento”, na multidão.

Esta ideia de modernidade está ultrapassada – acontece que a industria automóvel evoluiu muito desde o tempo de Baudelaire e nós, humanos contamos com as mesmas pernas e os mesmos reflexos – não nos podemos, como Baudelaire, infiltrar no trânsito. Quem procurar esse confronto vai saboreá-lo no hospital, com sorte. Vive-se hoje nas avenidas um “apartheid” e os pretos são os peões.

Primeiro foi necessário regular o trânsito: afixaram-se instruções em chapas, marcou-se no chão as faixas – os 30 metros deixados por Haussman davam para 6 faixas ou mais – assim podem vir mais carros. Os boulevards travestiram-se rapidamente em troços de auto-estrada com carros cada vez mais potentes a acelerar loucamente até ao próximo sinal vermelho. Para circular na cidade o peão tem de ser oportunista e esperar que mude a direcção do trânsito. Generosamente alguns semáforos têm um botão para pedir permissão de passagem. Todos os dias são frustrantes para um peão. E o que faz o peão no fim de mais um dia frustrante? Como é óbvio vai se meter no primeiro buraco que encontrar. É nesta altura que o peão sai do reino dos carros para entrar no seu…mas para castigo cheira a mijo. As centenas de quilómetros de túneis escavados com a intenção de dar ao peão alguma liberdade de movimentos são na realidade a sua prisão, o seu último reduto, a sua trincheira na guerra perdida contra o automóvel.

O automóvel não sabe utilizar a cidade é arrogante. Ocupa a parte principal da rua, é perigoso e intimida os outros utentes da rua, cria desconforto com a poluição aérea e sonora e para alem do mais nem sequer funciona: não é necessária uma ocasião especial para o trânsito estar estagnado.

Do ponto de vista civilizacional é irracional. É primitivo. A civilização existe de forma a agilizar procedimentos que num estado primário são muito penosos. É confortável beneficiar da vida em sociedade. Civilização é inteligência é eficiência e quanto mais inteligente é a civilização mais bem-estar traz às pessoas.

Se há uma quantidade absurda de itinerários coincidentes no tempo e no espaço porque havemos de os fazer, cada um por si, utilizando meios próprios?

Mas as pessoas continuam a usar o automóvel…quais as suas vantagens?

- é mais confortável.

- é mais asseado (se assim o quisermos).

- viajamos sozinhos – o que na sociedade actual é visto como uma vantagem.

- vamos directamente até ao local de destino sem mudar de automóvel e sem andar muito a pé (depende se temos estacionamento). Num trajecto de metro temos frequentemente de mudar de estação e nem sempre o metro chega exactamente onde queremos o que implica andar a pé uma média de 10min. por viagem.

- podemos transportar facilmente mais bagagem.

Para comparação, as vantagens do metro:

- é mais barato: se tivermos o passe é quase de borla. O automóvel para começar é um grande investimento, depois a manutenção, os seguros, os imponderáveis, o combustível e o parqueamento que é muito caro no centro. (esta vantagem não é sensível para quem tudo isto somado não deixa de ser uma quantia irrisória)

- é mais rápido – especialmente se o transito continuar entupido como em Paris e noutras grandes cidades.

- é mais saudável – especialmente para quem stressa ao volante nas situações de para arranca.

- é mais prático – não estamos condicionados ao local onde deixamos o carro. Podemos chegar numa paragem e partir noutra.

- no metro não conduzimos, podemos aproveitar o tempo como quisermos: ler é o mais popular, podemos tocar musica e receber dinheiro por isso, ou podemos escrever textos idiotas.

Considerando que a rede autónoma de transportes de Paris (RATP) é a resposta às necessidades de deslocação dos parisienses e que tão grande percentagem destes se recusa a utilizá-la devemos questionar a sua validade?

Para bem de quem vive e respira em Paris, sim por favor.

O exercício necessário é anular algumas vantagens da escolha do automóvel por valorização do metro.

As novas gerações de metro, em Estrasburgo, no Porto e a extensão de novas linhas na margem sul de Paris (para citar os exemplos que sei de cor), todos eles são metros de superfície e não subterrâneos. Isso corresponde á correcção de uma situação que tinha já demonstrado ser deficiente:

- o uso regular do metro subterrâneo é responsável por problemas mentais desde o típico stress a neuroses e depressões. Os próprios trabalhadores da RATP são disso testemunho. O Homem não se adapta à vida de toupeira.

- a construção e manutenção da rede de túneis é um encargo colossal e frustrado. Nem falo de redes mais antigas como a Parisiense - exemplos mais recentes são prova que as tentativas de “habitar” debaixo de terra são tristes, decadentes, desumanas.

- os centros urbanos desqualificados e banalizados pelo automóvel são ressuscitáveis apostando em maiores áreas pedonais alimentadas por estreitas faixas de transportes públicos.

As condições á superfície são naturalmente mais favoráveis e interessantes para o utilizador: o contacto com a cidade, os percursos simplificados e intuitivos.

Os trajectos e as velocidades atingidas pelo metro raramente justificam o seu enterro: excepção para os comboios de médio curso (RER no caso parisiense) que são rápidos, maiores e atravessam o centro com apenas 3 a 5 paragens –são um bom complemento para o caso das grandes metrópoles.

Se tivermos como bitola as ultimas gerações de transportes públicos e se assumirmos que este é o mínimo a esperar para o futuro pode-se considerar satisfatório o seu conforto. Há que nunca negligenciar aspectos logísticos como a regularidade, a comodidade no transfere e a integração e adequação dos percursos.

Mas para atingir um nível de oferta competitivo com o automóvel falta, no meu entender mais um passo -a especialização da oferta.

Assistimos recentemente ao migrar de alguma classe de condutores, que faziam o percurso Porto-Lisboa nos seus carros de alta cilindrada, para o serviço de alta velocidade da CP. Não me chocaria ver os solitários condutores de Mercedes numa carruagem especial com ficha tripla para os notebooks, televisão e assentos XXL – desde que isso os demovesse de tirar o carro da garagem.

É preciso um novo paradigma para o transporte público – basta de cheiro a urina e a suor, de percursos esdrúxulos, de acotovelamentos, de ruídos estridentes, de túneis e escuridão.

receita para o conflito Israelo-Palestiniano


Numa época de globalização, onde a mobilidade de pessoas, bens e informação tende a generalizar-se, o conflito Israelo-Palestiniano parece cada vez mais anacrónico senão ridículo: dois povos à batatada por causa de um pedaço de terra é coisa do século passado. Qualquer israelita ou palestiniano no seu perfeito juízo, não faz melhor que pegar na trouxa e família e emigrar para um país onde não esteja sujeito ao quotidiano marcial. Os fundamentalistas que fiquem lá até se matarem todos.
Hoje em dia os únicos territórios por que vale a pena lutar são os que ainda têm petróleo: não são difíceis de conquistar porque os seus soberanos investem mais em campos de golfe e carros forrados a ouro mas é moralmente indispensável uma boa desculpa – como por exemplo “salvar o seu povo da tirania de um regime oligárquico”.
O-resto-do-mundo devia fazer algo para terminar com este conflito absurdo – até porque existe património da humanidade e interesse turístico subaproveitado na região. O-resto-do-mundo devia dar duas hipóteses aos israelitas e palestinianos: ou partilhavam o mesmo território ou não ficava para nenhum deles. Ou vivam felizes no mesmo estado, indo à escola juntos, casando uns com os outros e jogando futebol entre solteiros e casados ( e não entre israelitas e palestinianos), ou saltavam todos dali para fora e dava-se o território aos Curdos ou a outro povo maltratado qualquer.
A fantochada de acordos de paz e renegociação de fronteiras a que assistimos não vai a lado nenhum. È evidente que os fundos fundamentalistas que estão na base do interesse comum só se darão por satisfeitos num cenário idílico de supremacia absoluta. Ambos se acham herdeiros por direito divino de todo o território. Não é uma situação em que a cedência de 2 ou 3km2 faça a diferença: “Ah, o.k. agora que temos mais 3km2 do que há dois meses atrás já não chateamos mais!”.
Já olharam bem para a fronteira Israelo-Palestiniana? Parece um recorte de Matisse – é artístico sim senhor, mas não cabe na cabeça de ninguém.
Devia-se dar uma última oportunidade para mostrar a sua tolerância de inspiração religiosa – se essa tolerância não existe então também não deve existir o privilégio de viver no território onde a tolerância foi inventada.

segunda-feira

a greve é a greve é a greve


È natural concordar com uma greve. É um direito. Se há greve é porque existem direitos a defender ou pelos quais lutar. Mas deixemos isso de lado e concentremo-nos na própria greve – ou seja na forma e não no conteúdo.
Existem várias formas de fazer greve. A forma que infelizmente se vulgarizou, pelo menos em Portugal, é a do estilo «vingança do chinesinho»: Os manifestantes tentam provocar o maior incómodo e prejuízo possível aos concidadãos, ou seja á sociedade. Desta forma, esperam eles, demonstrar a sua importância na sociedade e por acréscimo a justiça das suas reivindicações. Põem-se em bicos dos pés e berram alto: VEJAM COMO NÓS SOMOS INDISPENSAVEIS! Sob este prisma a classe que provoque mais dano é a mais importante. Quando o sindicato dos camionistas resolver paralisar e os supermercados não tiverem abastecimento vamo-nos lembrar para sempre da importância dos camionistas.
A sociedade funciona como uma máquina - todos os componentes são importantes.
Mais estranho ainda é a procura dos grevistas de situações especiais em que as suas acções provoquem mais caos. É o puro mediatismo. Com este tipo de escolhas é obvio que a atenção do público se desvie dos assuntos reivindicados para a especulação paranóica de cenários catacliticos. Foi o caso da greve dos controladores de tráfego prevista para o período do Euro2004.
Por ultimo e mais revoltante é se estas situações especiais se abaterem sobre outra classe, prejudicando-a especialmente. A greve dos professores no período de Exames Nacionais mais do que incomodar o governo prejudica especialmente os alunos. É evidente que a incerteza da realização do exame é um factor acrescido de stress e desmobilizador para o aluno. Alheios a tudo os professores marcaram mesmo a greve para esse período especial. Quando lhes perguntaram se se achavam responsáveis pela situação de stress resultante responderam que o governo podia ter alterado o calendário de exames…! Se a ideia era não acertar na época de exames podiam ter decidido outras datas?!?! Ou o gozo seria ver o governo atrapalhado a organizar em tempo record uma alternativa que eles sabem que não é do dia para a noite que se consegue? e com isto gastar mais uns milhares de euros ao erário publico – ai que giro!!!
Como estrategas, os responsáveis por esta greve provaram ser verdadeiros amadores pois colocaram-se numa situação muito delicada – ou o governo faria o que se sabe ser impossível e recuaria alterando os exames, ou como se verificou, recuaram os professores fazendo uma greve a meio gás pois seria incompreensível para os alunos, suas famílias e para o país o fado que se abateria sobre eles.
Ao usar os alunos como arma de arremesso os professores deram uma fraca imagem de si mesmos e provaram não ter respeito pela sua profissão nem pelos seus alunos.

greve


A greve surgiu originalmente como forma de travão a grupos privados que concorriam entre si usando, sem escrúpulos, o “dumping” social dos seus trabalhadores. Nessa forma original era eficaz pois não paralisava um sector inteiro mas apenas uma das suas empresas deixando-a refém da conciliação dos seus órgãos – caso contrario as demais empresas absorveriam essa cota de mercado. Isso conduziu à introdução de leis que defendiam os direitos dos trabalhadores nivelando por cima a relação entre patronato e proletariado – pelo menos teoricamente…
A greve política, surgiu como seguimento lógico, mas trazia várias complicações. Em primeiro lugar é uma forma de poder que se sobrepõe a outro: o poder politico – exercido pelos governos democraticamente eleitos. Esta questão tem sido debatida sendo que não existe uma conclusão para alem de que é necessária especial ponderação na sua persecução.
Em segundo lugar, tratando-se de lutas que unem classes inteiras, o seu patrono é a sociedade, somos todos nós e o assunto é a harmonia social, de maneira que não haja prevalência de umas classes sobre outras. O nosso interlocutor é o governo e em princípio, deve ser o parceiro com visão mais abrangente da sociedade, com uma estratégia, um programa de governo. O governo não defende o seu lado porque isso não existe - ou existindo estará a defender toda a sociedade.
Na altura de implementar o programa de governo cada grupo lesado, vem fazer pressão para manter a sua posição. Daqui resulta que o programa de governo é moldado de acordo com a força relativa de cada classe – o lobby. O resultado final é a pulverização do programa de governo em iniciativas desconexas e inconsequentes – e mais uma vez os mais fortes vencem os mais fracos.
O programa de governo devia cumprir uma legislatura e no fim haver o balanço. Os programas eleitorais deviam ser objecto de discussão dentro dos partidos, entre os partidos, nos média, nos comentadores políticos, na sociedade. Depois do dia das eleições o programa deixava de estar aberto á discussão – é isso a democracia – a escolha da maioria. O problema é que os próprios políticos não se dão ao respeito de apresentar um programa eleitoral verdadeiro, realista. Logo também não lhes interessa que depois das eleições ele seja levado a sério. O problema é que as classes laborais se instalaram conhecendo as fraquezas dos governos e usando a sua força para os manipular.